Mais de 50 anos depois que a Revolta de Stonewall tomou ruas de Nova York pedindo o fim da violência policial contra LGBTIs (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais), a celebração do Dia do Orgulho LGBTI, comemorado hoje (28), ocupará as redes sociais para manter o distanciamento social em meio à pandemia de covid-19. No Brasil, mais de 30 associações e entidades que reivindicam o respeito à diversidade sexual e de gênero promoverão, a partir das 14h, o Festival de Cultura e Parada Online do Orgulho LGBTI Brasil, que poderá ser acompanhado nas redes sociais.
Serão 10 horas de programação, com apresentações de artistas, depoimentos de pessoas LGBTI e mensagens de apoio de personalidades como o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A solução virtual para celebrar a liberdade e as conquistas das pessoas LGBTI sem propagar o novo coronavírus foi adotada em algumas das principais paradas do mundo. Em São Francisco, nos Estados Unidos, o festival San Francisco Pride comemora desde ontem (27) seus 50 anos também pela internet, com apresentações transmitidas ao longo de todo o fim de semana. Em Berlim, na Alemanha, a celebração ocorreu no dia 25, também pela internet. Já em Barcelona, na Espanha, e na Cidade do México, a data escolhida foi ontem. Toronto e Nova York estão entre as cidades que também farão celebrações virtuais neste domingo.
A vice-presidente do Grupo Arco-Íris, Marcelle Esteves, conta que a parada brasileira terá abrangência nacional, com participação de artistas e convidados das cinco regiões do Brasil ao longo de suas 10 horas de duração. O Grupo Arco-Íris é o organizador da Parada LGBTI de Copacabana e trabalha na articulação da parada virtual com a Aliança Nacional LGBTI+ e a União Nacional LGBTI.
Marcelle adianta que a parada vai falar para um público amplo, buscando alcançar não apenas quem costuma frequentar os atos, mas também suas famílias e quaisquer pessoas que cheguem ao festival pelas redes sociais. Outra intenção é revigorar o ânimo dos LGBTIs que podem estar sofrendo preconceito e violência dentro de suas casas.
“Nesse momento em que a população LGBT muitas vezes está isolada em casa com seus algozes, contaremos histórias de orgulho. Vai ter essa catarse para essa população que a gente não pode esquecer”, conta Marcelle. “Será a possibilidade de essas pessoas não se verem totalmente sozinhas, se perceberem acolhidas mesmo à distância e poderem recuperar o fôlego”.
Marcelle será uma das apresentadoras da parada, ao lado do coordenador-executivo do Grupo Arco-Íris, Claudio Nascimento, e da coordenadora de pessoas trans da Aliança Nacional LGBTI, Alessandra Ramos. A escolha de três pessoas LGBTIs negras para conduzir a parada traz para o movimento a luta antirracista que está em ebulição ao redor do mundo.
“A gente não poderia jamais ficar de fora dessa luta. Não tem como fazer uma parada do orgulho LGBTI e não dizer que vidas negras LGBTI importam”, afirma Marcelle. “Teremos os rostos pretos o tempo inteiro, o que desmistifica um pouco aquela imagem do gay branco e sarado. Isso é importante porque mesmo dentro da comunidade LGBTI existe racismo”.
A parada contará com artistas LGBTIs históricos, como Jane Di Castro, Lorna Washington e Suzy Brasil. A programação também terá diversidade regional, com atrações como o Boi Garantido do Festival Folclórico de Parintins.
A Parada LGBTI Brasil será a segunda parada virtual celebrada no Brasil no mês do orgulho LGBTI. No dia 14 de junho, a Associação da Parada LGBT de São Paulo promoveu seu ato online no mesmo dia em que estava marcada a tradicional parada da Avenida Paulista. Vice-presidente da associação, Renato Viterbo conta que o número de visualizações da transmissão chegou a 11 milhões. “Foi uma ação para não deixar a data sem nenhuma atividade, e um meio de levar à nossa comunidade um alento diante de tudo que está acontecendo”, afirma ele.
Apesar da edição virtual, a parada LGBTI de São Paulo ainda pode ter uma versão física, que, por enquanto, está prevista para novembro. Entretanto, as chances de isso se concretizar ainda dependem da contenção da pandemia.
“A gente sabe que talvez isso não seja possível”, reconheceu Renato. “Mas a parada virtual cumpriu o seu papel como instituição LGBT e movimento de direitos humanos”.
1 ano da criminalização
O Dia do Orgulho LGBT é celebrado no aniversário da Revolta de Stonewall, quando pessoas LGBTI enfrentaram a polícia de Nova York por causa da constante repressão em locais que frequentavam, como o bar Stonewall Inn. 51 anos depois do episódio, considerado marco da luta por direitos humanos ao redor do mundo, os LGBTIs brasileiros comemoraram neste mês um ano da criminalização da LGBTIfobia, equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 13 de junho de 2019. Presidente do Grupo pela Vidda e integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Maria Eduarda Aguiar foi uma das advogadas que defendeu a criminalização diante da Suprema Corte.
“Foi um orgulho poder estar lá. Tanto para mim quanto para outras travestis e transexuais, que puderam ver uma pessoa como elas em um espaço como aquele, defendendo a vida das pessoas LGBT. Vou guardar esse momento para sempre”, recorda a advogada transexual, que fez a sustentação como amicus curiae, representando a Antra. “Muitas pessoas me falaram que gostariam de ter falado aquilo e nunca tiveram chance. As pessoas se sentiram um pouco parte daquilo”.
Maria Eduarda foi a segunda mulher trans a participar como advogada de uma audiência em toda a história do STF. Antes dela, Gisele Alessandra Schmidt e Silva fez uma sustentação oral no processo que reconheceu o direito de transexuais de mudarem seu registro civil para adequá-lo à sua identidade de gênero, em 2017.
Apesar da criminalização, a presidente do Grupo pela Vidda afirma que a população LGBTI enfrenta com frequência dificuldades para fazer valer o que decidiu o STF. Os problemas vão desde interpretações divergentes em tribunais de primeira instância até falta de atualização nos sistemas de informática de delegacias de polícia para que o crime seja registrado, relata Maria Eduarda.
“É preciso lutar pela implementação e para que isso passe a vigorar de verdade, no mundo real. Para que o policial possa ouvir a denúncia e imediatamente registrar”, defende ela, que pede o fortalecimento de delegacias especializadas no combate à intolerância e o combate a crimes de ódio no ambiente virtual. “A maioria da população tem o mínimo de empatia, e a gente consegue acessar com um bom diálogo, desde que a gente consiga trabalhar para além dos muros da militância, falando com as comunidades. Isso é possível, desde que a gente consiga combater as fake news. As pessoas recebem muita informação falsa sobre o que é a causa LGBT”.
Por Aline Leal/Agência Brasil